domingo, 7 de maio de 2017

Carta de Amor à minha mãe




Quando era criança, teimava em usar o teu perfume [aquele com a tampa em forma de túlipa], e os teus batons cor-de-rosa, e os teus sapatos de salto agulha. Colocava os teus anéis e as tuas pulseiras e fazia de conta que era tu. Sentava-me num banquinho, com rolos de linhas, agulhas, lápis e papéis com desenhos de monogramas à minha volta e fazia de conta que sabia executar a tua arte com a mesma perfeição. Olhava para ti e achava-te tão bonita, sempre tão bonita, mesmo quando os teus dias eram cinzentos e apressados, mesmo quando a angústia e o nervosismo tomavam conta de ti, continuavas a ser a mais bonita de todas as mães. Gostava sempre das roupas que me escolhias [ainda guardo na memória os calções de ganga e a blusa com lacinho à frente, as saias de roda e o vestido cor-de-rosa com gola branca]. Nem sempre gostava dos penteados que teimavas em fazer no meu cabelo sempre pela cintura, mas perdoava-te os exageros próprios de uma mãe de uma menina. Gostava de ficar quieta a ver-te cozinhar e a fazer bolos de iogurte nas tardes de sábado. Gostava dos lanches que me preparavas e dos chocolates kinder que me oferecias de surpresa.

Minha querida mãe, sempre te admirei. Houve um tempo em que quis ser como tu. Nunca consegui. Somos diferentes. És melhor do que eu. Sais ao avô, na generosidade sem limites e no coração que se agiganta no peito, no dar sem pensar duas vezes e no acolher todo aquele que bate à tua porta. Consegues passar por cima das mágoas como se elas não existissem sequer. Consegues cicatrizar as feridas em poucos dias e voltar a dar o peito às balas. Consegues perdoar como quem respira e és bem capaz de dar a outra face a quem tão mal te tratou. Costumo dizer que és boa demais. Quem me dera ser metade daquilo que és.

Dedicaste a tua vida a cuidar dos outros. Dos avós e dos tios. Assumiste, muito cedo, tão cedo, o papel de mãe de toda a gente. Deste-te em demasia, num altruísmo sem medida. Cuidaste com amor incondicional e hoje percebo o quanto gostaria de, um dia, conseguir amar assim. Sofreste tantas perdas, tantos dissabores, tantas provações. Adiaste tantos sonhos, na certeza de que nunca os irias cumprir mas, mesmo assim, continuando a sonhar. Superaste-te a cada tempestade, a cada agrura da vida que nem sempre te quis bem. E continuaste a mesmo mulher generosa e bondosa, que consegue sempre reinventar-se. E continuas com o teu sentido de humor, com a tua garra, com o teu sorriso.

E sempre acreditaste em mim, nos meus devaneios, nos meus sonhos sem sentido. E continuas a dizer, vezes sem conta, "quando fores uma escritora conhecida vais escrever a minha biografia". Dizes isso, não porque te interesse minimamente teres uma biografia escrita, mas sim porque acreditas que, um dia, a tua filha será uma escritora de verdade. Há dias em que acho [tenho a certeza] de que acreditas mais do que eu. Há dias, muitos, em que é a tua força e a tua crença que me impulsionam para dar mais um passo na direcção do sonho.

Sei que nem sempre sou a melhor das filhas. Tenho um mundo em reboliço na alma e preciso dos meus silêncios e dos meus espaços. E tu aprendeste a respeitar esses momentos. Aprendeste a compactuar com os meus silêncios e a respeitar a porta por vezes fechada da minha alma. Sabes dos fantasmas que me atormentam e das lutas que travo todos os dias para levar a melhor. E, embora em teime em guerrear sozinha, sei que estás sempre na vanguarda para aparar qualquer golpe mais duro. E, embora eu tenha ânsias de sair por aí e desbravar novos mundos, sei que serás sempre porto de abrigo onde poderei regressar e repousar o coração.

Dizem que hoje é o teu dia, mãe. E, por isso, escrevo-te estas palavras, para que fiquem registadas para sempre, tatuadas numa fracção de tempo, de um tempo em que foste só tu a minha inspiração. Mais logo, dou-te os chocolates em forma de margarida. Por agora, digo, apenas, que te amo e que, apesar de andar sempre com o coração em desvario e a alma aos pulos, és o meu chão e o meu tecto, o meu amparo e a minha certeza. E eu serei sempre a menininha que sorri para ti, a mesma menina que teimava em pintar a cara com os teus batons e que só queria ser como tu.


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