quarta-feira, 10 de maio de 2017

Para ti, avô



Oito anos de ausência de ti, meu querido avô. Oito anos de saudade, em que não passa um só dia em que não me lembre de ti. A dor de te perder foi grande. A dor de te ver agarrado a uma cama foi maior ainda, logo tu que tanto amavas a liberdade. Foi com a tua doença que comecei a questionar os desígnios de deus, um deus que, a meu ver, era injusto, pois uma pessoa tão boa como tu não merecia sofrer assim. Hoje já tenho um entendimento diferente. Mas continuo a achar que as pessoas boas como tu não deveriam sofrer como tu sofreste. Porque eras [és] das melhores pessoas que conheci em toda a minha vida. O teu coração era generoso demais, gigante demais. Não vias maldade em nada e davas-te por inteiro. Eras querido e amado por toda a gente, como só as pessoas especiais o são. Tinhas o olhar azul-cor-de-céu mais bonito do mundo. E, quando a desgraçada da doença te roubou as memórias, era através desse olhar azul-cor-de-céu que me dizias que ainda te lembravas de mim [que nunca, em momento algum, te esqueceste da tua neta primeira, da princesa lá de casa]. E, quando a desgraçada da doença te roubou a capacidade de te expressares pelas palavras, era através desse olhar azul-cor-de-céu que falavas comigo.

Só querias ver-me feliz. Só querias que eu fosse feliz. E, por isso, deixavas-me correr pelas ruas e brincar no jardim e colher flores para oferecer à avó. E, por isso, nunca exigiste de mim mais nada além das gargalhadas que dava quando me contavas as tuas estórias. E, por isso, nunca exigiste de mim aquilo que eu não era, desde que fosse infinitamente, estupidamente, loucamente feliz. Dizias, não raras vezes, que querias viver cada dia como se fosse o último, aproveitando a vida como se ela fosse acabar logo a seguir. Dizias que preferias ter anos cheios de vida, mesmo que poucos, do que uma vida cheia de anos e isenta de alegria. Naquele tempo, não compreendia muito bem o que querias dizer com isto. Hoje entendo na perfeição. Amavas a liberdade como quem respira. O teu coração era parecido com o meu, batendo descompassado e desajeitado, recheado de mais sentir do que pensar, de mais emoções do que lógicas. porque nem sempre é a lógica que nos faz felizes. Eras tão sábio sem saber, meu querido avô. Eras tão simples, tão desapegado, tão genuíno.

Como eu queria que ainda estivesses aqui. Como eu queria que a doença não te tivesse condenado a um final tão triste. Como eu queria que lesses estas palavras e te sentisses cheio de orgulho por estar a seguir os meus sonhos. Como eu queria voltar a ser aquela menininha, a tua menininha, que fazia birra quando saías para ir tomar café, prometendo voltar depressa. Cumpriste sempre com a tua palavra. Como eu queria que tivesses só ido ali tomar o teu café e que, não tarda, irias regressar com mais estórias para contar e uma mão cheia de paciência para aturares as minhas brincadeiras e os meus caprichos de neta mimada e amada demais. Que saudades, meu querido avô.

Apesar desta ausência, destes oito anos de ausência, sei que permaneces vivo em mim, nas minhas recordações tão bonitas, em tudo aquilo que contigo aprendi, em todo o amor que nos unia. Sei que és um dos meus anjos da guarda, aquela força que me ergue quando a vida me maltrata, aquela coragem que vem do fundo da alma quando essa alma só quer desistir, aquela vontade insana de recomeçar mesmo quando a estrada parece ter chegado ao fim. És a minha estrela do norte, a luz que se acende nos momentos mais escuros, a cor que pinta os dias mais cinzentos. São oito anos de ausência de ti, mas a certeza absoluta de que passaste para o outro lado para melhor cuidares de mim.

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