quinta-feira, 24 de maio de 2018

Um refúgio pode ser apenas o recanto entre o roupeiro e a mesinha de cabeceira

Quando era criança, sempre que me chateava com o mundo ou o mundo se chateava comigo, sempre que não era correspondida nos afectos ou sempre que fazia ou dizia algo politicamente incorrecto, escondia-me no recanto entre o roupeiro e a mesinha de cabeceira do quarto dos meus avós. Era o meu refúgio, o lugar que me abraçava e protegia. Era o meu esconderijo, onde me sentava com a cara nos joelhos, fechava os olhos e acreditava que, assim, o mundo não mais iria olhar para mim, nem julgar-me, nem apontar-me o dedo, nem rir-se de mim. Naquele espaço tão pequeno e tão quente, eu podia reconstruir o meu mundo de dentro. De olhos fechados, via só os sonhos e sentia em mim a certeza de que, ali, naquele bocadinho de chão, tudo estava bem, tudo estava em paz. Não raras vezes a minha avó encontrava-me, puxava-me para ela e deitava-me no seu colo. Dizia que ia ficar tudo bem. Que ia passar. Que as lágrimas não caiem para sempre e que as feridas também se curam.
Há já algumas noites que me sento no chão do quarto [agora do meu], no recanto entre a secretária e a janela. Tento fazer de conta que aquele é também um refúgio, mas não é. Não é a mesma coisa, não me transmite a mesma segurança, nem o mesmo conforto, nem aquela certeza doce de que estou protegida de todo o mal. E num tempo em que já não há refúgios assim, resta-me fazer do meu coração o lugar onde posso esconder-me e a partir do qual posso renascer.


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